06/06/2017

batalhas


No domingo minha tia me chamou docemente pra conversar comigo sobre o meu cabelo. Há uns dias atrás eu tinha ficado super feliz com ela comentando que "sabe que estou num momento mais andrógeno" e aí me surpreende com isso: ela teme por mim com meu "visual andrógeno" no Canadá.
Foi muito difícil ouvir que ela compreendeu (bem errado, aliás) que quando cortei meu cabelo eu estava fragilizado, magoado e que esse era o meu sinal pro mundo pra que nenhum cara se aproximasse, mas que agora os meninos podiam olhar pra mim e se sentirem intimidados pra chegar. Além disso ela temia que eu tivesse que enfrentar batalhas desnecessárias.

Sério, foi um momento horroroso. Ela me falando com todo carinho e cuidado do mundo, certamente com a melhor das intenções.

O problema é que isso tudo também me passou pela cabeça, pelo menos uma parte. Já faz alguns meses desde que cortei meu cabelo e adotei uma postura menos feminina, o que foi uma das maiores libertações que já vivi. Um problema era o medo constante de não ser aceito pelas pessoas, por possíveis interesses românticos, por ex-the Cara, caso voltássemos a nos ver.

"O que vão pensar de mim?" "Vão me compreender e me ver sem as camadas superficiais e estéticas?" isso já me apavora sempre que penso em cirurgia de redução.

Na sessão passada Sérgio me perguntou se gosto do meu corpo. Minha primeira resposta foi que eu gostaria mais dele se fosse de outra pessoa. E é exatamente isso, gosto do corpo de garotas e de garotos, mas o meu não me deixa muito realizado. Eu queria ser muito feliz sendo uma mulher, com corpo de mulher e esteriótipo de mulher, mas não é assim que sinto.
Eu sou um não-binário com características biológicas incômodas, mas sobrevivo a isso. A questão é se além de sobreviver serei capaz de achar alguém que me enxergue como deve ser e me queira assim.

Procuro acreditar que sim, afinal de contas sou um romântico incurável, mas as vezes o medo vem.

É claro que percebi a enorme queda na quantidade de olhares que recebo quando saio de casa. É claro que percebi a falta de interesse generalizada dos homens ao olharem pra mim, mas também noto a cara confusa por breves momentos dos gays que veem primeiro meu rosto e depois (infelizmente) meu torso. E é isso que me alegra, saber que um dia talvez eu chegue num ponto em que olhem pra mim só com cara de interesse e nenhuma confusão. Porque eu transcendo essas caixinhas idiotas e apesar de não encontrar muita gente que me acompanhe nisso, preciso resistir, certo?

Depois que a Tchela sugeriu que eu voltasse a usar mais símbolos femininos e deixar o cabelo crescer outra vez tentei imaginar um cenário com todas essas sugestões acatadas. O resultado com certeza me faria parecer milhões de vezes mais atraente para os homens. Sei que meu rosto e meu modo de agir normalmente remete as pessoas a uma garotinha doce, inocente e bem jovem. E me enoja o fato de isso atrair muita muita gente.

Ela se refere a batalhas sobre bandeiras LGBTQIA que eu terei que travar em solo estrangeiro e teme que sejam demais pra mim sozinho, mas sabe, sinto que preciso passar por isso. É da minha verdade que estamos falando e não acho que posso esconder meu verdadeiro eu pra que a sociedade seja mais boazinha comigo. Seria sufocante e errado.

Ainda temo um pouco pelo meu futuro, sei que as coisas são bem mais complicadas pra não binários, o mundo ainda não está pronto pra nós. Só quero achar alguém como a namorada do personagem não binário de Todo Dia (personagen este que nomearei quando tiver o livro em mãos pra checar, não to falando do A, é o da namorada que entra pela janela haha). Ela o enxerga como ele quer e precisa ser visto e o ama por inteiro, com todas as suas faces.

Sei que é meio demais.

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